Lendas GARO - GARO: Boku ga ai wo tsuaete yuku- Capítulo único
Garo - Boku ga Ai o Tsutaete Yuku
(Eu Continuarei Transmitindo o Amor)
Capítulo 1: O Ouro e a Cor
— Gonza-chan, o papai está sorrindo nesta foto?
A voz de Raiga quebrou o silêncio da biblioteca Saejima.
A Poeira dançava nos raios de sol que atravessavam as janelas altas. O cheiro de papel envelhecido misturava-se a algo mais sutil; uma essência suave de laranja, o perfume que sua mãe costumava usar.
Gonza Kurahashi ajustou os óculos e inclinou-se sobre a fotografia.
Ali estava Kouga, jovem e sério como sempre, mas com algo diferente no olhar. Ao seu lado, Kaoru sorria radiante, uma mancha de tinta amarela na bochecha.
— Sim, jovem mestre. À maneira dele.
Raiga apertou os joelhos contra o peito, afundando-se na poltrona de couro grande demais para seu corpo franzino.
— Ele nunca sorri assim em casa....É estranho...
Os dedos pequenos traçaram o contorno do rosto do pai.
— Sempre parece... cansado. Ou esperando que algo ruim aconteça.
Gonza fechou o álbum com cuidado. Por um momento, apenas o tique-taque distante do relógio preencheu o espaço entre eles.
— Seu pai carrega um peso que poucos podem compreender, Raiga-sama. Desde que Mestre Taiga partiu, naquela batalha...
A voz de Gonza falhou por um instante.
Ele, após pensar um pouco, conclui:
— Kouga-sama foi forjado para ser uma lâmina contra a escuridão. E lâminas não sabem sorrir.
— Então por que ele sorri aqui? —indagou o pequeno Raiga.
O velho serviçal sorriu.
— Por causa de sua mãe. Kaoru-sama sempre carregou uma luz que equilibrava toda a escuridão. O amor deles... — Piscou rapidamente. — O amor deles amoleceu o coração do Mestre Kouga.
Raiga franziu o cenho, processando com seriedade incomum para a idade.
— Mas os Cavaleiros Makai são os mais fortes! Ele não podia simplesmente escolher ser feliz?
A mão de Gonza pousou no ombro do menino, carinhosa e solene.
— Um Cavaleiro Makai tem o poder de cortar o Mal, jovem mestre. Mas não tem o poder de curar as feridas que a escuridão deixa.
Após uma breve pausa, Gonza prossegue:
— Seu pai era um espadachim perfeito, um guerreiro completo. Mas como homem...estava incompleto.
O silêncio se instalou novamente. Gonza fechou os olhos, e o passado se materializou.
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Flashback
O ateliê cheirava a tinta fresca e terebintina. Raios de sol criavam padrões dourados no chão manchado de cores. O som rítmico do pincel contra a tela como uma respiração.
Kouga observava Kaoru trabalhar com a mesma intensidade com que estudava seus inimigos, mas sem a tensão habitual.
— Você está me observando de novo...
Kaoru não desviou os olhos da tela. Um sorriso brincava nos lábios.
— Isso me deixa nervosa.
—Seus movimentos são interessantes.
Kouga responde com a voz grave, mas sem a frieza costumeira.
— Você gasta muita energia com coisas desnecessárias.
Kaoru riu e mergulhou o pincel numa mistura de azul e branco.
— Você é um Cavaleiro Makai, não um crítico de arte.
Ela espalha a cor pela tela com movimentos largos e confiantes.
— Eu não luto. Eu crio.
—Você destrói Horrors, eu crio beleza. O sentimento é a parte importante.
Em seguida, ela virou-se para ele, o pincel ainda na mão.
—Você não entende isso, entende?
Kouga se levantou.
Seus passos silenciosos mesmo no chão de madeira.
Parou atrás dela, observando a tela por sobre seu ombro.
Estendeu a mão e limpou uma mancha de tinta verde na nuca dela.
— Eu entendo a necessidade de proteger o que é bonito.
Kaoru girou nos calcanhares, com os olhos arregalados.
Então um sorriso se abriu em seu rosto, tão brilhante que por um instante o cansaço crônico nos olhos de Kouga pareceu evaporar.
— Bom.... — Inclinou a cabeça, estudando-o. — Então, quando você voltar de sua próxima caçada, me diga o que você acha que valeu a pena proteger.
—Mas não me diga "o mundo" ou "a humanidade". Me diga algo real. Algo específico.
Kouga segurou o olhar dela. Não respondeu, mas acenou levemente.
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Fim do Flashback
— Quando Mestre Kouga voltou daquela caçada ...
A voz de Gonza embargou.
— Ele entrou no ateliê coberto de sangue e cinzas. Kaoru-sama largou os pincéis imediatamente, mas ele a deteve. E disse: "Valeu a pena proteger a sua pintura."
Raiga arregalou os olhos.
— Só isso?
— Só isso. Mas para ele, foi tudo. Ele começou a ver o mundo através dos olhos dela.
—Deixou de enxergar apenas a escuridão.
O menino ficou quieto, processando.
Quando falou novamente, sua voz carregava compreensão que parecia ir além de seus anos.
— Ele precisava que a mamãe o lembrasse de ser uma pessoa... não apenas Garo.
Gonza piscou surpreso, ajeitando os óculos para esconder a emoção.
— Exatamente, Raiga-sama. Ela era o coração dele.
Raiga fechou os olhos, tentando visualizar aquele momento.
Seu pai sorrindo, sua mãe pintando, os dois existindo num mundo onde Horrors não eram a única realidade.
Era difícil imaginar.
O Kouga que ele conhecia era uma figura austera, sempre partindo para missões perigosas, sempre retornando mais cansado, mais silencioso.
Quase sussurrando, Raiga diz:
— Gonza-chan...
—Você acha que eu vou conseguir fazer alguém sorrir assim um dia? Como a mamãe fazia com o papai?
O velho serviçal apertou gentilmente o ombro do menino.
— O amor não é algo que se aprende como técnicas de espada, jovem mestre. Ele simplesmente acontece.
Os olhos do velho serviçal brilharam.
— Mas você já carrega a essência dele dentro de você. Metade da força do Mestre Kouga, metade da luz da Senhora Kaoru.
Raiga abriu os olhos e olhou para suas próprias mãos. Pequenas, ainda incapazes de empunhar uma espada, mas já capazes de sentir.
De lembrar.
De amar.
“Forte como o pai” - pensou.
“Humano e luminoso como a mãe” -desejou.
Lá fora, o sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons de ouro e âmbar.
Cores que Kaoru teria adorado capturar.
Cores que Kouga aprendera a valorizar.
Raiga compreendeu, naquele momento silencioso, que Garo não era apenas ouro e aço.
Era também cor e vida.
O guerreiro que ele se tornaria começava a ser forjado ali, naquela tarde de memórias e fotografias amareladas. Não apenas com técnicas de combate e códigos de honra.
Mas com amor...




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